AFUNDANÇO DO KWANZA AZEDA O VINHO

As bebidas em Angola vão ter, a partir de 12 de Julho, um novo selo fiscal, medida bem acolhida pelas empresas vinícolas portuguesas, que consideram que irá trazer mais-valias para importadores e exportadores, pondo fim aos mercados paralelos. No entanto, encaram 2023 com pessimismo devido à desvalorização do kwanza, antecipando “um desastre” nas vendas face à inflação e diminuição do poder de compra.

Bebidas alcoólicas, tabaco e seus sucedâneos, produtos sujeitos ao pagamento do Imposto Especial de Consumo, vão ter de ser vendidos com selo fiscal de alta segurança, a partir de 12 de Julho, medida que visa o combate ao contrabando e aumento da receita fiscal.

Para Edgar Sousa, da Vinus (filial da Sogrape), a aposição do selo vai representar um aumento de custos e implica “uma aprendizagem no arranque do processo”, que vai criar “alguma fricção” na cadeia logística e pode afastar alguns pequenos produtores devido à complexidade do processo, sobretudo no que diz respeito à gestão dos selos.

E, apesar de encarecer os vinhos, numa altura em que a desvalorização da moeda angolana, o kwanza, está a deixar as empresas apreensivas, traz também mais garantias de qualidade e certificação das importações.

“Para os importadores e distribuidores locais, adiciona uma protecção extra de negócio porque há muitos mercados paralelos que são usados nas importações, não só para Angola, mas para outros mercados. Este tipo de controlo adicional é normal em muitos mercados. Temos de nos adaptar a ele e tirar a mais-valia que nos pode acrescentar”, comentou, em declarações à Lusa, à margem da “Grande Prova de Vinhos de Portugal” da Viniportugal, realizada esta semana em Luanda.

Rayan Karaan é da mesma opinião e frisou que, embora traga mais custos e dificuldades ao dia-a-dia das empresas, nomeadamente a nível do controlo dos selos, a medida beneficia as empresas, pois vai acabar com o mercado paralelo.

“Eu represento o Esporão em Angola, mas há importadores que vão comprar vinhos desta empresa sem ser aos representantes oficiais, vão aos grossistas e compram paletes. Aí já não vão conseguir”, indicou.

Marco Pereira, da Viniangola, importadora e distribuidora de vinhos portugueses (e de outras origens) em Angola, afirmou igualmente que a medida vai ser benéfica, já que “ao entrarem no mercado, os selos vão regular as importações”.

Para o responsável da Angonabeiro (subsidiária da Nabeiro, que produz os vinhos da Adega Mayor), Nuno Moinhos, a transição está a ser “tranquila”, já que a empresa estava “preparada para uma mudança nesse sentido”.

Acredita, por isso, que, além de permitir maior arrecadação de receitas fiscais para o Estado angolano, a certificação da entrada do vinho é uma medida positiva.

A entrada em vigor da nova legislação chegou a estar prevista para 1 de Março de 2022, mas foi adiada, por falta de regulamentação, para o mês seguinte.

No entanto, a Associação da Indústria das Bebidas de Angola (AIBA) conseguiu fazer valer os seus argumentos junto das autoridades angolanas e obteve um novo adiamento do prazo e alterações legislativas, nomeadamente no preço dos selos.

Depois de um ano de crescimento em Angola, os produtores de vinho portugueses encaram 2023 com pessimismo devido à desvalorização do kwanza, antecipando “um desastre” nas vendas face à inflação e diminuição do poder de compra.

Responsáveis de empresas assumem estar preocupados com a acentuada queda da moeda angolana, o que obrigou já a aumentar os preços.

Depois de um 2022 positivo, em que as exportações de vinho para Angola duplicaram em valor, para cerca de 50 milhões de euros, a perspectiva agora é de margens a encolher e até prejuízos.

Edgar Sousa (Vinus), diz que a empresa teve um crescimento significativo em 2022, de 20% em valor, mas admite que “vai haver uma quebra muito forte nos próximos meses se a situação não se reverter”.

A rapidez com que tudo está a acontecer torna a adaptação ainda mais complicada e o aumento de preços tende a reflectir-se desde já nas prateleiras dos supermercados, garrafeiras e restaurantes, indicou.

“Vai haver claramente uma perda do poder de compra e diminuição do consumo. Neste momento, estamos a ter um crescimento em volume e em valor muito semelhante ao ano passado, mas temos noção que vai haver uma quebra muito grande no segundo semestre”, declarou.

O responsável desta empresa do grupo Sogrape adiantou que estão a tentar fazer os aumentos de preço de forma gradual “para tentar defender os consumidores”, mas reconhece que a rápida desvalorização do kwanza, que já vai em mais de 40% num mês, “vai levar a um aumento muito maior” do que os ajustes de 10% que fizeram no inicio de Junho.

“Vamos fazer nos próximos dias um aumento de 20 a 25% e se o câmbio se mantiver assim, a inflação poderá provocar um aumento dos 50% dos produtos até ao final do ano”, descreveu.

O que se traduzirá num menor consumo e numa diminuição da qualidade: “o consumidor vai procurar um vinho que possa pagar”, disse, acrescentando que haverá também uma consolidação e nem todos os ‘players’ conseguirão adaptar-se a esta realidade, podendo inclusivamente o mercado angolano virar-se mais para outras origens.

Também para Rayan Karaan (Esporão), “o ano passado foi muito bom”, com um crescimento em torno dos 25%, mas antecipa-se “um desastre” em 2023.

“Já perdemos quase tudo [dos ganhos anteriores] e vamos perder ainda mais”, lamentou, mostrando-se apreensivo face às “perdas financeiras irrecuperáveis”.

“Eu cortei o meu orçamento em 50%, não vai ser nada fácil, as coisas estão muito instáveis”, disse, a propósito das variações cambiais, antecipando: “Vamos perder vendas”, continuou, explicando que os preços já aumentaram em 30% e que o consumidor tenderá por isso a procurar vinho mais barato.

Nuno Moinhos (Angonabeiro) adiantou que as vendas aumentaram cerca de 12% no ano passado, mas neste momento a situação é de “grande expectativa”.

“Vamos ver até onde é que a situação cambial vai evoluir, isso provoca obviamente algum stress momentâneo e vamos ter de o gerir”, disse, sublinhando que o objectivo é “não tomar medidas excessivamente conservadoras nem excessivamente radicais”.

Por outro lado, reconhece que, apesar da empresa já ter feito “alguns ajustes no preço”, vai ser necessário “um ajuste mais radical”, na ordem dos 30 a 40%.

“Vamos acompanhar os próximos dias para ver o que vai acontecer, acho que todos os agentes económicos estão com o mesmo problema”, apontou.

Face ao movimento inflacionário dos preços, a quebra do consumo “vai ser espelhada nos exercícios orçamentais que tivermos que fazer para assegurar a continuidade da empresas e que os consumidores continuam a consumir os nossos produtos”, afirmou o gestor.

Marco Pereira, diretor geral da Viniangola, importadora e distribuidora de vinhos, diz que o comportamento das vendas estava a ser muito bom, destacando o crescimento “incrível” dos brancos e rosés, até sofrerem o “travão” do câmbio.

“Neste momento é travagem a fundo, a partir do momento em que estamos num câmbio a 850 [kwanzas por euro] é quase impossível chegarem a vinhos médios que custam tanto hoje como custava ontem um whisky. É preocupante”, desabafou.

Os ajustamentos no preço são inevitáveis e Marco Pereira diz que num mês já apresentaram “duas tabelas diferentes”, com uma variação de 30%.

“Ou isto muda muito e há alguma estabilidade no câmbio ou então vai ser terrível, vai estagnar completamente o consumo e o que se vai consumir é um vinho de fraca qualidade, para ser muito barato”, reforçou.

Folha 8 com Lusa

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